sábado, janeiro 22, 2005

Cores e ventos

Muitas coisas para contar. Pensei em falar das cores do Paine um certo dia quando ainda estavamos em El Calafate. Acabei ficando longe do computador. Lembrei que havia contado do vento. Mas ainda nao tinha conhecido o vento da Cordilheira do Paine. Um vento avassalador que quando nos pegava na estrada a sensacao era a de que haviam homens a tentar virar o carro. O braco tem que seguir sempre rigido, segurando. Um vento que quando chegava ao lago Pehoe fazia ondas. Ondas mesmo. Como outras que vimos ainda ontem no Lago Buenos Aires. Quebrando na praia como uma... praia. Em plena borda do deserto aos pes da Cordilheira. Quando quis falar das cores do Paine, haviam muitas. As da montanha que vai recebendo o sol filtrado por nuvens velozes e refletido pelo gelo e pelas pedras. Haviam as do ceu que vai de todos os matizes de azul e cinza e quando a noite vem chegando o por do sol dura horas. Horas de sombras longas. Mas haviam principalmente e surpreendentes as cores dos lagos e dos rios. Os lagos aqui tem uma cor azul que nao existe. Vai do cian turvo e luminoso ao turquesa. Radioativas. Quase sempre sao alimentados pelo degelo eterno.

Fomos para El Chaten. Em tehuelche quer dizer montanha que fuma. O Fitz Roy. De muito longe ainda no deserto central pantagonico da para ve'lo se destacando na silhueta dos Andes. Para quem se acostumou a vé'lo em fotos sua silhueta e inconfundivel. Eu o tinha reconhecido ainda antes de El Calafate. O suficiente para ter certeza de que tudo fazia parte de um unico sistema, o Perito Moreno, o Fitz Roy, o Cerro Torre e os glaciares de Viedma, Upsala, o Lago Argentino. Tudo aquilo era a linha exterior do Campo de Hielo Sur Patagonico. Uma das ultimas lembrancas que existem da ultima era glacial. Aproximar pela 40 do Fitz Roy e uma experiencia incrivel. Deserto por todos os lados. A frente a estrada que se estende ate se tornar miragem e mais longe ainda o complexo nitido e alto onde se destaca a montanha que fuma. Mas que sorte. Nao havia nuvem nenhuma por cima dela, algo muito raro. Os antigos habitantes haviam dado a ele o nome de Chalten por esta caracteristica. Sempre se forma uma nuvenzinha em seu topo. Tao curiosa que os primeiros exploradores acreditaram ser ele um vulcao. Mas nada..... era um capricho metereologico. E e assim mesmo. Uma nuvenzinha vai se formando e fica por ali.
Nao resistimos. Antes pensamos em so passar por la, almocar e seguir viagem. Acabamos ficando. El Chaten, a cidade, e um povoado minusculo situado no alto em uma depressao cercado por macicos de´pedra. Nesse dia fizemos uma caminhada cerca de 5 km montanha acima rumo ao mirador. Pela floresta devidamente advertidos da presenca de pumas (e instruidos sobre o que fazer caso topassemos com um= subimos margeando imensos rochedos deixando o vale la embaixo. Caminha'se caminha'se caminha'se sem imaginar o que vai surgir alem da floresta. E o que estava la era ele esperando pelo tempo sem nuvens. Fitz Roy............................

No dia seguinte encaramos o desafio que vinha me assaltando em sonhos ha dias.................. a Ruta 40. Uma estrada rasgando o nada, de ripio. Cumprimos um trecho de 600km ate Perito Moreno em dois dias. Chega'se a cruzar 350km sem nada, ninguem, nem um posto de gasolina, nenhuma casa, nenhum poste, so o vento, o ceu que faz um espetaculo a parte, as colinas e planicies interminaveis, as mesetas. Muitos coelhos, guanacos a dar com o pau, tatus cruzando a estrada e nhandus. Retas na maior parte do tempo, diferencial bloqueado, direcao firme. Dormimos num pontinho no mapa chamado Bajo Caracoles, umas casinhas e umas pessoas que nao conseguimos imaginar o que fazem para viver ..... ou porque vivem ali. A Patagonia tem uns misterios que ja percebemos nos tomaram conta. No dia seguinte, ontem, seguimos ate um lugar chamado Cueva de Las Manos. Nao tem como descrever. Para ser mais direto imaginem um canion no deserto e no fundo dele, la embaixo de suas paredes de pedras asperas pela surra do vento um pequeno rio que serpenteia um chao liso de areia, pedras e...... arvores. Nessas paredes, acompanhando uma trilha incrustada nelas, vimos pinturas............ antigos habitantes desta regiao deixaram aqui impressas suas maos, milhares delas, superpostas, de varias cores, pintadas assim...coloque a mao sobre um papel e jogue po. Depois tire. Sobrou o negativo. Sao pinturas que, as mais antigas, foram feitas 7.500 anos antes de Cristo. Mais adiante cenas de cacadas de guanacos, repteis e mais maos. Alias as maos estao espalhadas em varios sitios patagonia afora. Descemos ao rio e nele andei descalco, bebi sua agua, pisei em sua areia. Quase achei que ouvi os ecos daquela cultura sobrevivendo naquele santuario. Misturados com os mugidos dos bois que pastavam de verdade mais adiante. E com os sons do Lourenco e Dri entretidos com um besouro que quando tocado finge que morre e a Sofia que, de cocoras na beira do riacho, desenhava na agua pensando sabe'se la o que.

Agora que saimos da Ruta 40 acho que me acostumei com o vento. Que ainda nos segue nas porteiras da Carretera Austral e que nao nos deixa conhecer o silencio de tao grande imensidao...................

Estamos em Coihaque, no Chile. Seguiremos amanha camino austral arriba ate Puyhuapi ou Puerto Cisnes. Ja apressamos a volta. Ja existe um certo cansaco no ar.
Beijos a todos que nos seguem. Obrigado pelos comentarios.
Com saudades, Rogerio


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